Introdução
A Liturgia das Horas, também chamada de Ofício Divino, é uma riqueza extraordinária para nossa vida de oração, meditação e contemplação. Mas é preciso compreender o alcance destes tesouros. Não é possível reconhecer estas riquezas sem conhecê-las de forma mais profunda.
Algumas pessoas reclamam que a Liturgia das Horas pode ser enfadonha, que não conseguem ver valor em rezá-la, etc. Assim como um músico sabe perceber detalhes maiores de riquezas de uma melodia bem feita e executada, que sabe retirar prazer para a alma diante de uma grande obra musical, enquanto o leigo só consegue perceber realidades mais simples, assim acontece com qualquer obra artística, literária, etc. E aqui fazemos a mesma comparação, guardada as devidas proporções, a essa grande riqueza da literatura espiritual católica: A Liturgia das Horas. Um excelente instrumento para a vida de oração, vida mística e ascética, com frutos para sua meditação e contemplação. Mas para bem haurir, para melhor se alimentar destes mistérios, é preciso ter um conhecimento mínimo e dedicação assídua.
Numa publicação anterior abordamos uma “Brevíssima História da Liturgia das Horas”, que você pode conferir clicando aqui.
Vamos, nesta brevíssima introdução, explanar o que é a Liturgia das Horas e um pouco de sua origem.
O que é a Liturgia das Horas.
É um conjunto de salmos, hinos, orações, antífonas, textos bíblicos variados para serem rezados em vários horários no decorrer do dia. Tem elementos de frequência anual, mensal, semanal e diária seguindo o ciclo litúrgico da Igreja.
Nem todos nós temos o tempo necessário para rezá-la por completo, e a Igreja sabe disso. Alguns orientam a rezar somente as principais duas horas canônicas ou até uma só. A estrutura completa da Liturgia das Horas rezada pelos monges compõe-se de 7 horários:
Vigílias ou Matinas – onde rezava-se de madrugada, chamado atualmente de Ofício das Leituras, que “pode-se recitar a qualquer hora do dia, ou até no dia anterior, à noite, depois de recitadas as Vésperas”, conforme orienta a INSTRUÇÃO GERAL SOBRE A LITURGIA DAS HORAS;
Laudes ou Prima ou Oração da Manhã – onde ora-se ao amanhecer;
Terça – por volta das 9h;
Sexta – por volta do meio-dia;
Noa – por volta das 15h (Obs.: A Terça, a Sexta e a Noa podem ser rezadas de uma só vez como Hora Média ou Oração Durante o Dia);
Vésperas ou Oração da Tarde – reza-se ao pôr-do-sol e
Completas ou Oração da Noite – que se ora antes de dormir.
Nos diz a Instrução Geral da Liturgia das Horas (nº12):
“A Liturgia das Horas alarga aos diferentes momentos do dia, o louvor e ação de graças, a memória dos mistérios da salvação, as súplicas, o antegozo da glória celeste, contidos no mistério eucarístico, «centro e vértice de toda a vida da comunidade cristã». A própria celebração eucarística tem na Liturgia das Horas a sua melhor preparação, porque esta suscita e nutre da melhor maneira as disposições necessárias para uma frutuosa celebração da Eucaristia, quais são a fé, a esperança, a caridade, a devoção, o espírito de sacrifício.”
PASSO A PASSO DE COMO REZAR A LITURGIA DAS HORAS
O INVITATÓRIO
É uma introdução no início do dia ao Ofício, um convite à oração. É constituído pelo versículo “Abri os meus lábios, ó Senhor. E minha boca anunciará vosso louvor” (que é recitado fazendo o sinal da cruz sobre a boca) e depois é proclamada uma antífona correspondente. A antífona é um versículo curto, pronunciado antes e depois da recitação de um Salmo, que nos ajuda a entender o sentido do salmo e ajudam também a fazer do salmo uma oração pessoal. Depois recita-se o salmo 94(95), que pode ser substituído pelos salmos 66(67), 23(24) ou 99(100). Com esse Invitatório os fiéis são convidados cada dia a cantar os louvores de Deus e a escutar sua voz, e são incentivados a desejar o “descanso do Senhor” (IGLH 34).
Na salmodia da Liturgia das Horas, o “Glória ao Pai... Como era ...” sempre se diz no fim do salmo e antes de repetir a antífona, conferindo à oração do Antigo Testamento um sentido de louvor, cristológico e trinitário (IGLH 123).
Entretanto, se o salmo estiver sendo cantado ao invés de recitado, de acordo com a melodia, com o ritmo, e os acentos do salmo ou do cântico, o Glória ao Pai poderá receber as seguintes alterações:
“Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo †
ao Deus que é, que era e que vem, *
pelos séculos dos séculos. Amém.”
Ou:
“Demos glória a Deus Pai onipotente
e a seu Filho, Jesus Cristo, Senhor nosso, †
e ao Espírito que habita em nosso peito, *
pelos séculos dos séculos. Amém.”
Ou:
“Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo
desde agora e para sempre, †
ao Deus que é, que era e que vem, *
pelos séculos. Amém.”
OFÍCIO DAS LEITURAS
O Ofício das Leituras era tradicionalmente rezado de madrugada, antes do nascer do sol, mas como forma de adaptação à rotina do homem moderno, a Igreja permite que ele seja recitado a qualquer momento do dia, desde que seja mantido o espírito de vigília.
É composto por 3 salmos, uma leitura das Sagradas Escrituras e outra retirada da tradição da Igreja.
Inicia-se o Ofício com o Invitatório, quando for a primeira oração do dia, ou com o versículo “Vinde, ó Deus…”, seguido pelo “Socorrei-me, sem demora”, “Glória ao Pai…” e o “Aleluia” (que é omitido na Quaresma).
Depois recita-se o hino próprio, de acordo com a realidade do tempo litúrgico. O hinos são dispostos de maneira tal que possam dar um colorido próprio a cada Hora celebrativa, ou a cada festa, e que também faça com que a hora canônica se inicie com mais facilidade, com mais encanto e com mais espírito orante (IGLH 42).
Depois vem a salmodia com três salmos, ou partes de salmos, que se dizem com as antífonas correspondentes.
Para uma compreensão ainda maior da salmodia, haurindo dela toda a riqueza de seu conteúdo, podemos também servir-nos de outros dois elementos que a acompanham: o título do salmo, em negrito, que esclarece o seu sentido, às vezes oculto, ou não facilmente percebido pelo fiel; e a expressão bíblica do Novo Testamento, ou então patrística1 e espiritual, em itálico, que propicia uma compreensão do salmo à luz da história da salvação, como também à luz de outros textos bíblicos, como convite à reza do salmo em sentido cristológico.
Verso salmódico: Antes das leituras, diz-se o versículo que marca a passagem da salmodia para a escuta das leituras. O versículo é indicado no lugar próprio, sempre ligado à temática da celebração, principalmente nos “tempos privilegiados”. São ricos também em sentido bíblico ou patrístico.
Leituras: Existem duas leituras longas. A primeira é bíblica, com seu responsório, e a segunda pode ser patrística, hagiográfica2 ou espiritual, de acordo com o tempo litúrgico, festa ou solenidade, seguida de um responsório. O termo "responsório" vem do latim “responsum” (resposta), como resposta às leituras. O responsório faz eco ao conteúdo das leituras, facilitando ainda mais a sua compreensão.
Te Deum: Nos domingos (exceto os da Quaresma), nos dias da Oitava do Natal e da Páscoa, como também nas festas e solenidades, após a segunda leitura com seu responsório, recita-se ou canta-se de pé o hino “Te Deum” (“A vós, ó Deus, louvamos”).
Finaliza-se com a oração conclusiva e depois a aclamação: “Bendigamos ao Senhor. Graças a Deus”.
LAUDES
Também chamada de Oração da Manhã, é o louvor da Igreja pelo mistério de Cristo, principalmente a Ressurreição. O levantar do sol e do cristão, o reiniciar dos trabalhos, são símbolos da vida e ponto de partida para o louvor de Deus. A oração da manhã se destina e se ordena à santificação do período da manhã. Essa hora é recitada ao chegar a luz do novo dia, ao nascer do sol, ou o quanto antes do início das atividades cotidianas.
Começa-se com um hino seguido pela salmodia. Nas Laudes a salmodia tem um caráter de louvor pela criação do mundo e do ser humano e pela nova criação em Cristo Jesus, sendo composta por dois salmos e um cântico entre eles. O primeiro salmo faz sempre referência à luz, ao despontar do novo dia, como expressão da obra criadora de Deus por Jesus Cristo. O cântico, tirado do Antigo Testamento, é expressão de experiências pascais vividas na história do povo de Deus. O outro salmo é de louvor, um convite ao louvor pelo dom de um novo dia, e que é dado à Igreja viver o mistério de Cristo.
Após vem a Leitura breve. Constitui um verdadeiro programa de vida para o dia que inicia em Cristo ressuscitado e muda de acordo com o dia, o tempo ou a festa. Após, recomenda-se um momento de silêncio.
O Responsório breve que vem após, trata-se de uma resposta breve à Palavra de Deus. Consta de um versículo que o solista canta, e a comunidade responde (quando rezado individualmente, quem recita faz os dois papéis, do solista e da comunidade), primeiro, com o mesmo versículo inteiro, e, na segunda intervenção, com a metade, e, depois do Glória, com o versículo inteiro novamente.
Em seguida, vem o Cântico evangélico. Para a Oração da Manhã, o cântico evangélico é o “Benedictus”, ou Cântico de Zacarias (Lc 1,68-69). Ele expressa o louvor e a ação de graças pela Encarnação e Redenção. Os cânticos evangélicos, por serem um texto do Evangelho, devem ser proclamados ou cantados com solenidade. No fim, diz-se o “Glória ao Pai”, a exemplo do que acontece com os salmos e repete-se a antífona.
Terminado o cântico evangélico iniciam-se as preces, que na oração da manhã são invocações para recomendar ou consagrar o dia ao Senhor. Serão também de louvor a Deus, de confissão de sua glória e lembrança da história da Salvação. No final há um espaço para as intenções livres onde colocamos nossas preces particulares. Após vem o Pai Nosso e a Oração Conclusiva.
No fim, se um sacerdote ou diácono preside o Ofício, ele despede o povo, dizendo a mesma fórmula de bênção da Santa Missa. Não havendo sacerdote, ou diácono, e na recitação individual, concluem-se as Laudes com a fórmula “O Senhor nos abençoe, nos livre de todo o mal e nos conduza à vida eterna. Amém”.
HORAS MÉDIAS
(Oração das nove, das doze e das quinze horas)
Sua recitação é recomendada a todos os fiéis. Recomenda-se sobretudo pelo menos uma das três Horas, terça (9h), sexta (12h) e nona (15h), a fim de se conservar a tradição de orar durante o dia (IGLH 77).
A estrutura é idêntica para todas as horas menores: versículo introdutório e um hino, depois a salmodia (constante de três pequenos salmos, ou parte de salmos), com suas antífonas, uma leitura bíblica breve, com seu verso breve, e a oração conclusiva. Propõe-se para as três horas menores uma dupla salmodia: a corrente e a complementar.
VÉSPERAS
A Oração da Tarde se celebra ao pôr do sol, quando o dia já declina, para agradecer a Deus o que nele recebemos ou o que nele realizamos, para a glória do Senhor e santificação dos homens e do mundo
Inicia-se as Vésperas com o versículo “Vinde, ó Deus…”, seguido pelo “Socorrei-me, sem demora”, “Glória ao Pai…” e o “Aleluia” (que é omitido na Quaresma).
Hino: Costuma ser um hino que se refere ao fim do dia, ou ao tempo do ano litúrgico, ou à festa que se celebra.
Salmodia: Na salmodia das Vésperas, temos dois salmos ou duas partes de um salmo que expressam o agradecimento, o louvor o sacrifício da Igreja. E em seguida temos um cântico tirado do Novo Testamento. Este cântico celebra o cordeiro imolado e glorioso a quem a Igreja canta um cântico novo.
Leitura e Responsório breve: Tudo conforme as Laudes. Entretanto, nas Vésperas, a Leitura breve é sempre tirada do Novo Testamento. Esse texto aprofunda o sentido da redenção do ser humano em Cristo e as exigências que daí decorrem para a vida dos cristãos.
Cântico evangélico: Após a leitura bíblica, entoa-se solenemente o cântico evangélico, com sua antífona. Para a Oração da Tarde o cântico é o da Santa Mãe de Deus, o “Magnificat” (Lc 1,46-55). A Igreja louva e dá graças pela encarnação e salvação em comunhão com Nossa Senhora. Convém lembrar que os cânticos evangélicos, devem ser ditos ou cantados com a mesma solenidade como na proclamação do Evangelho na Missa, isto é, de pé e precedido pelo sinal da cruz. No fim, diz-se o “Glória ao Pai” e, a exemplo do que acontece com os salmos, repete-se a antífona.
Preces: Na Oração da Tarde, as preces são de intercessão. Depois de ter rendido graças a Deus por seus benefícios e de ter recordado os grandes benefícios da história da salvação, sobretudo na obra redentora de Cristo, a Igreja intercede por todo o Povo santo de Deus e pela salvação do mundo inteiro. Após temos as intenções livres para cada um trazer suas preces particulares. Logo após fazemos a oração do Pai Nosso e a Oração Conclusiva e termina-se, assim como na Laudes, com a bênção do sacerdote ou com a fórmula “O Senhor nos abençoe, nos livre de todo o mal e nos conduza à vida eterna. Amém”.
COMPLETAS
Também chamada de Oração da Noite, reza-se antes do descanso noturno, mesmo passada a meia-noite, se for o caso (IGLH 84).
Começa, como as demais horas, com o verso “Vinde, ó Deus...”, seguido do “Glória ao Pai...” e “Como era...”, com Aleluia. Este se omite no tempo da Quaresma.
Exame de consciência: Após a introdução, propõe-se um breve exame de consciência, como louvável prática da piedade cristã (IGLH 86).
Hino: Segue-se o hino indicado. Para a Oração da Noite, são propostos apenas três hinos: um, para o Tempo Pascal, e dois (A e B) para o restante do Ano Litúrgico.
Segue-se então a salmodia, com os salmos 4 e 133(134), para as I Vésperas dos domingos e solenidades, e para as II Vésperas, o salmo 90(91), com suas antífonas. Para os outros dias, tem-se um só em cada dia.
À salmodia segue-se a leitura bíblica, com seu responsório, da mesma forma que nas Laudes e Vésperas.
Cântico evangélico: A dimensão escatológica manifesta-se de modo significativo no Cântico de Simeão, “Nunc Dimittis” (Lc 2,29-32), também acompanhado por sua antífona. O cântico evangélico aqui referido constitui o ápice da oração noturna.
Finalmente, vêm a oração conclusiva, a bênção, mesmo em particular, O Senhor nos conceda..., e por último uma das antífonas da Virgem Maria, com a qual se encerra a Oração da Noite.
Sábado falaremos do Ofício Divino Monástico. Assine esse canal para sempre receber o material por e-mail ou instale o aplicativo Substack.
Deus abençoe!
O termo "Patrística" refere-se aos escritos dos “Padres da Igreja”, aqueles grandes homens da Igreja, aproximadamente do século II ao século VII, que foram no Oriente e no Ocidente como que “Pais” da Igreja, no sentido de que foram eles que firmaram os conceitos da nossa fé, enfrentaram muitas heresias e, de certa forma foram responsáveis pelo que chamamos hoje de Tradição da Igreja. Padre ou Pai da Igreja se refere a um escritor leigo, sacerdote ou bispo, da Igreja antiga, considerado pela Tradição como um testemunha da fé.
Os escritos hagiográficos dizem respeito aos textos sobre a vida dos santos.